Tensões políticas, Covid-19 e descontrole fiscal: veja o que influenciou o desempenho do Ibovespa em 2021
O ano de 2021 foi marcado por forte volatilidade na B3, a bolsa brasileira. Inicialmente, as expectativas do mercado eram otimistas, à medida que os investidores recuperavam o apetite ao risco por causa da queda dos juros e de um ensaio de retomada da atividade econômica.
Entretanto, ao fim de 2021, os efeitos da pandemia de Covid-19 ainda contaminam o desempenho econômico do Brasil. Pontuais reações foram esboçadas em alguns setores, mas outros ainda sofrem com a penalização da crise sanitária em suas atividades: a começar pela vacinação no país, que foi iniciada depois da maioria dos países mais desenvolvidos.
Em razão da capilaridade do Plano Nacional de Imunização (PNI), a cobertura vacinal total chega a 67% da população brasileira neste fim de ano, segundo informações do consórcio formado entre os veículos de imprensa g1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL. Porém, os cuidados com o coronavírus continuam, visto que os surgimentos de variantes, como a mais recente Ômicron, ainda são monitorados pelos mercados globais.
No primeiro semestre, mesmo com o andamento dos trabalhos da CPI da Covid-19 no Senado Federal, em que parlamentares investigaram ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento à pandemia, o mercado financeiro operava à margem do desgaste político e apostava em uma recuperação num futuro próximo.
Em 14 de junho, o Ibovespa, principal indicador da B3, atingiu seu recorde histórico de fechamento, aos 131.084 pontos.
De lá para cá, o cenário macroeconômico doméstico se deteriorou, com inflação e juros em alta, o ambiente global não ajudou e, já no fim de 2021, a PEC dos Precatórios escancarou a ameaça ao Teto de Gastos.
Essa combinação de fatores puxou para baixo o desempenho do mercado acionário brasileiro e contribuiu para a queda de 12,53% do Ibovespa no acumulado do ano, de acordo com dados apurados até o fechamento do mercado na quarta-feira (29).
Juros sobem fortemente
As elevações na taxa básica de juros Selic, que eram esperadas após o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) mantê-la a 2% ao ano de agosto de 2020 a março de 2021, foram mais intensas que o planejado.
Não conhece o Copom? Veja aqui o que faz esse Comitê e como suas medidas são decisivas para a economia no Brasil.
Em sete reuniões realizadas em 2021, os acréscimos consecutivos à Selic a colocaram no patamar de 9,25% ao ano.
Veja aqui quanto os títulos públicos pagam de rentabilidade com a Selic a 9,25%.
Inflação segue o mesmo ritmo
Nas atas divulgadas após as reuniões, o colegiado do Banco Central insistia que as altas de juros eram necessárias para convergir a inflação ao centro da meta, mas, segundo previsões da própria autoridade monetária, 2021 deve encerrar com uma alta do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em dois dígitos (10,2%).
Pela primeira vez em seis anos, a inflação ultrapassaria a marca dos 10% anuais. A elevação foi impulsionada principalmente pela persistente desvalorização do Real frente ao dólar dos EUA, pela escassez de alguns componentes industriais e pela crise hídrica, que impactou os preços de alimentos e de energia.
As projeções para a inflação acumulada em 2021 eram elevadas por agentes do mercado financeiro semana após semana 35 vezes consecutivas, até que nas últimas três edições o Boletim Focus revisou as estimativas para baixo – agora, a 10,02%.
Confira neste texto como a alta da inflação pode afetar os seus investimentos.
Recessão técnica
Com as escaladas da inflação e da Selic, e reflexos persistentes da crise sanitária causada pela Covid-19, o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil derrapou. Com quedas de 0,4% no segundo trimestre e de 0,1% no período entre julho e setembro, a economia entrou oficialmente em recessão técnica.
Clima de eleições antecipadas
Segundo analistas políticos e econômicos, embora as eleições presidenciais estejam marcadas apenas para outubro de 2022, a antecipação do debate eleitoral teria estimulado o descontrole fiscal e o acirramento das tensões políticas.
Em manifestações de seus grupos de apoio realizadas em Brasília e em São Paulo no feriado da Independência, no dia 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) abriu uma crise institucional ao criticar ostensivamente o Supremo Tribunal Federal (STF).
Um dia após as fortes declarações, o Ibovespa caiu 3,8% e o real se desvalorizou em 2,9% frente ao dólar.
Petrobras na mira: desestatização e preços dos combustíveis
Em diferentes episódios, o presidente Jair Bolsonaro colocou a Petrobras nos holofotes por conta de declarações polêmicas que não se sustentaram. Ele afirmou que a petroleira seria privatizada e as ações da companhia sofreram forte oscilação por conta disso, com alta de 6,84% no pregão de 25 de outubro.
Após a fala, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passou a investigar as informações que Bolsonaro teria dado. Dias depois, o próprio Ministério da Economia encaminhou ofício à Petrobras e disse que não havia estudos ou avaliações para a privatização da estatal no momento.
Na mais recente polêmica, o presidente havia dito que a Petrobras reduziria o preço dos combustíveis. Em nota divulgada no dia 6 de dezembro, a companhia ressaltou que não antecipa decisões de reajuste e que não havia nenhuma decisão tomada até aquele momento.
Por fim, em 14 de dezembro, a petroleira anunciou a redução do valor da gasolina nas refinarias para as distribuidoras, de R$ 3,19 para R$ 3,09 por litro.
Teto de gastos flexibilizado, riscos fiscais elevados
Outro destaque no ano foi a aprovação da PEC dos Precatórios.
A proposta adia o pagamento de sentenças judiciais e, segundo analistas, permitiria um “furo” no teto de gastos públicos, permitindo ao governo arcar com o valor de R$ 400 mensais do novo programa social Auxílio Brasil. Com a aprovação da PEC, foi aberto um espaço fiscal de R$ 106,1 bilhões no Orçamento de 2022.
Além do Auxílio Brasil, o governo anunciou outro programa que deve utilizar o espaço fiscal: o “vale-gás”, que começou a ser distribuído para famílias atingidas pelas fortes chuvas em Minas Gerais e na Bahia em dezembro.
O benefício de R$ 52 deve estar disponível aos demais inscritos no Cadastro Único a partir de 18 de janeiro com pagamentos bimestrais.
Uma outra parcela do orçamento foi direcionada ao reajuste salarial das forças de segurança, que deve se somar ao benefício aos caminhoneiros prometido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para ajudá-los a compensar a disparada dos combustíveis.
Reformas em segundo plano
A articulação em torno de todas essas pautas colocou as reformas administrativa e tributária, priorizadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em segundo plano.
Em entrevista, o próprio presidente Jair Bolsonaro afirmou que avaliações de temas como esses “têm que acontecer no primeiro ano de cada governo” e que se essas e até outras reformas não forem aprovadas ainda este ano “fica para quem assumir em 2023”.
Privatizações em stand-by
No âmbito das privatizações, a desestatização dos Correios (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) chegou, em outubro, à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, mas conta com resistências.
Otto Alencar (PSD-BA), presidente do colegiado, optou pelo adiamento da pauta para 2022. O parlamentar alega que o valor pretendido para a venda da estatal equivale ao lucro anual da empresa, o que “não facilita no encaminhamento da discussão”, segundo suas palavras.
Já as discussões em torno da privatização da Eletrobras estão mais avançadas, após aprovação do tema nas duas casas legislativas. A companhia elétrica aprovou a contratação de um sindicato de bancos que vai estruturar a oferta de ações (“follow-on”) do processo de privatização da estatal.
O follow-on vai ser utilizado para a União diluir a participação na empresa em até 100% do capital social e deve ocorrer no primeiro semestre do ano que vem, segundo o cronograma da Eletrobras, mesmo após ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) pedirem vistas para apreciar mais detalhadamente o caso.
Confira mais detalhes sobre as reformas e privatizações prometidas pela equipe econômica do governo neste texto.
IPOs
Neste ano, o Brasil registrou 45 ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) – o maior número de ofertas desde 2007 –, com um movimento de R$ 65,3 bilhões.
Entretanto, do total, apenas 5 IPOs foram realizados a partir de agosto, segundo informações da B3, em razão das condições adversas que o mercado financeiro passou a atravessar.
Veja aqui como anda o desempenho das empresas que estrearam na B3 neste ano.
Com tudo isso, o setor que mais sofreu foi…
De acordo com dados da plataforma Yubb, quem mais sofreu com essa série de eventos que influenciaram a economia brasileira foi o setor varejista, que também foi impactado pelo vai-e-vem das restrições sanitárias em razão da pandemia de Covid-19.
Das dez ações que mais se desvalorizaram ao longo de 2021, quatro pertencem ao segmento. São elas: Lojas Americanas, Magazine Luiza, Via e Americanas S.A.
Veja o ranking completo:
Posição | Ticker | Empresa | Rentabilidade |
1 | LAME4 | Lojas Americanas | -77,32% |
2 | MGLU3 | Magazine Luiza | -74,27% |
3 | VVAR3 | Via | -71,47% |
4 | PCAR3 | Pão de Açúcar | -69,86% |
5 | AMER3 | Americanas S.A. | -59,26% |
6 | EZTC3 | EzTec | -52,59% |
7 | QUAL3 | Qualicorp | -52,30% |
8 | IRBR3 | IRB Brasil | -50,37% |
9 | NTCO3 | Natura & Co. | -48,86% |
10 | CYRE3 | Cyrela Realty | -48,54% |
O que esperar para 2022?
Apesar de a corrida presidencial começar oficialmente em agosto, todo o ano de 2022 deve ser fortemente influenciado pelo calendário político – um novo desafio ao mercado financeiro.
Além disso, enquanto a pandemia de Covid-19 continua, investidores monitoram o combate a novas variantes e os efeitos das mesmas sobre a atividade econômica global, com sinais de que a vacinação impede que casos de coronavírus evoluam para maior gravidade.
Tantas incertezas recomendam cautela aos investidores, que devem ficar de olho ainda nas medidas que o Banco Central pode adotar sobre inflação e juros nas reuniões do Comitê de Política Monetária e o que o governo pode fazer para corrigir a trajetória fiscal do país e estimular o mercado de trabalho e o consumo.
A última edição do Boletim Focus aponta que, em 2022, agentes do mercado financeiro projetam um crescimento do PIB de apenas 0,42%. Para a Selic, os entrevistados acreditam que o ciclo de alta da taxa deve continuar até atingir 11,50%.
Para 2022, as projeções do IPCA se mantiveram em 5,03% – já acima do teto da meta, de 5%. Quanto ao dólar, o mercado espera que a moeda alcance o patamar de R$ 5,60. A previsão de alta dos juros nos EUA deve valorizar o dólar no cenário internacional.
Será que os investimentos relacionados ao dólar valerão a pena em 2022? Confira aqui.